domingo, 11 de setembro de 2011

O Lar

Do meu olhar tenho tentado achar o seu. Esse olhar distante que se esforça pra ser sempre mais distante, mas que tem um desvio sempre próximo. Que desvia querendo se manter, que se mantém querendo se fundir. Que quando encontra um outro olhar, é porque quer esse olhar e somente ele. Que quando não encontra, está procurando um outro próximo pra repousar o seu. Olhar, olhares, olhos, olhos meus, olhos seus, que se encontram tentando se desviar de todos os outros e com todos os outros, perdidos no meio de tantos. São tantos e ao mesmo tempo tão poucos, os outros. São tantos e tão insuficientes que em cada um deles procuro o seu, que, mesmo desviante, é o que mantém o repouso do meu. Procuro o seu em cada canto, em cada esquina, em cada pedaço dos outros, de mim, de você. Em cada pedaço de mim, seu olhar, que se desvia e se mantém tentando encontrar outro corpo, mas que eu sei que é meu, e talvez eu não queira que você saiba que é meu, e que sou eu. E que meu olhar é seu. E que meu olhar sou eu.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Teve um dia que eu te estendi a mão, mas você não veio. Desde então a gente tem se afastado mais e mais, meu amigo... Passei a te estender, além das mãos, os dois braços, as pernas, o pescoço, a cabeça, o coração, mas ainda assim você não veio. Tenho me confundido tentando te fazer me ouvir, mas você some pra cada vez mais longe, perco meu corpo e minha voz tentando te chamar, e agora sinto forte o vazio que ficou desde quando eu resolvi me dar pra você.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

À espera de ninguém

Eu ainda vou continuar esperando, se você disser que vem. Mesmo que diga que venha só depois da meia noite, às 17h eu já vou tremer minhas pernas pra te esperar. Vou preparar seu suco preferido, colocar na mesa biscoitos e pães e ligarei a TV sem prestar atenção, distraída na espectativa que você venha. Ainda que não dê certeza, a dúvida será mais do que certa pra mim: eu vou te esperar, mesmo que você não venha. E se você ligar dizendo que não vem, eu vou deixar a mesa posta e a TV ligada, porque, junto comigo, elas vão te esperar. Talvez pro outro dia. Minha cama vai continuar bagunçada, pra você ver o quanto eu me mexo ao dormir quando voce não está aqui; os sapatos continuarão espalhados pela casa, as janelas escancaradas e porta entreaberta pra você entrar sem bater. Além da casa, o coração também vai te esperar: quentinho, miúdo e bagunçado pela espera de você.

domingo, 26 de setembro de 2010

O amor na prática é sempre ao contrário

Meu amor chegou pra mim como quem não tem pressa: calmo, manso e cheio de vontade. Veio aos poucos, como quem não quer nada, e me fez assim: só assim, sem meios-termos. Não me lembro quando foi exatamente que perdi o controle de tudo. Quando dei por mim, já estava lá. Hoje, ontem e em todos os outros dias, quando saí de casa apressada, só pensei em ir ao encontro desse olhar que tem me feito ser cada vez menos eu. Cada vez mais nós. E você, quando sorri, me faz ter cada vez menos vontade de ser infeliz.
Tenho me perdido todos os dias tentando descobrir em algum vestígio seu as coisas que você gosta, o que você quer de mim, o que quer que eu queira de ti. Ouço o Cazuza cantar que o amor na prática é sempre ao contrário, é sempre ao contrário. E mesmo que eu tente me manter sóbria, a verdade é que essa embriaguez me encanta. Porque paixão é coisa que deve se viver assim: no silêncio. E se eu digo que te amo, é porque estou amando não te conhecer.

terça-feira, 13 de julho de 2010

É que você é tão contente e tem um brilho tão bonito nos olhos que eu tenho medo de te endurecer com as minhas angústias.

domingo, 2 de maio de 2010

4 corpos e um amor inacabado

Naquele toca-discos antigo o vinil continuava a tocar, soando as notas de um passado amorfo. Tic-tac-tic-tac, ainda ouço o relógio que te mandava sempre ir embora, logo naquelas horas que o que a gente mais queria era ficar. Sempre que você vinha trazia a chuva, que molhava sempre os pés de toda a gente que andava lá fora, que sentiam sempre o sangue da sua ferida na água que corria. Era ferida velha, ferida branca, que doía só quando você vinha. Meu sorriso também vinha contigo, com a garrafa de cerveja quente no tempo frio, pra esquentar o coração com coisa ruim, você dizia.
Tinha também aquele sábado que ficava com cara de domingo, no dia em que as almas resolviam descansar só pra deixar a gente viver em paz. Era sempre você que trazia aquele cheiro de cidade empobrecida, de gente quieta e sem ter pra onde ir. Pombas. Ratos. Restos. Restos de mim e de você, sempre ali, inclinados pra ver o que tinha lá fora na calçada. Sei que nunca fui cautelosa com as palavras, por isso, hoje te digo, por isso nunca quis que me fizesse perguntas. Com as palavras, a gente mente, e eu só queria ter a chance de não falar.
Hoje aquilo que de mim só você sabia, já não é mais, e eu queria poder te contar. Talvez um dia você descubra que a vida não é uma só, a vida é múltipla, a vida não é uma transformação de algo permanente. Você vai descobrir no corpo daquela gente sem cabeça que nem sempre tudo tem que fazer sentido, que nem sempre um braço serve pra abraçar e uma perna pra andar. Aqueles corpos esquizofrênicos, nas suas não-totalidades, um dia vão te mostrar que não é porque uma coisa existe, que ela tem que: ser. Você vai se sentir pesado quando aqueles corpos passarem a ter cabeça, porque o olhar machuca, e você vai descobrir que um corpo é bem mais bonito de se ver sem a sua parte racional, e vai ter vontade de ser só um corpo também, um corpo que fala, um corpo que sente, um corpo que é.
Você descobrirá que a verdade é sempre a falta, e vai ter vontade de sumir quando me encontrar na sua porta esperando ter de volta um corpo de mim que você levou.

sábado, 1 de maio de 2010

De quando eu tinha doze anos

Sei
Que o que te trouxe até aqui
Foi a angústia
De não ter onde ficar

E que agora
Mesmo que você não queira
Sabe que aqui
É o seu lugar