terça-feira, 23 de novembro de 2010

À espera de ninguém

Eu ainda vou continuar esperando, se você disser que vem. Mesmo que diga que venha só depois da meia noite, às 17h eu já vou tremer minhas pernas pra te esperar. Vou preparar seu suco preferido, colocar na mesa biscoitos e pães e ligarei a TV sem prestar atenção, distraída na espectativa que você venha. Ainda que não dê certeza, a dúvida será mais do que certa pra mim: eu vou te esperar, mesmo que você não venha. E se você ligar dizendo que não vem, eu vou deixar a mesa posta e a TV ligada, porque, junto comigo, elas vão te esperar. Talvez pro outro dia. Minha cama vai continuar bagunçada, pra você ver o quanto eu me mexo ao dormir quando voce não está aqui; os sapatos continuarão espalhados pela casa, as janelas escancaradas e porta entreaberta pra você entrar sem bater. Além da casa, o coração também vai te esperar: quentinho, miúdo e bagunçado pela espera de você.

domingo, 26 de setembro de 2010

O amor na prática é sempre ao contrário

Meu amor chegou pra mim como quem não tem pressa: calmo, manso e cheio de vontade. Veio aos poucos, como quem não quer nada, e me fez assim: só assim, sem meios-termos. Não me lembro quando foi exatamente que perdi o controle de tudo. Quando dei por mim, já estava lá. Hoje, ontem e em todos os outros dias, quando saí de casa apressada, só pensei em ir ao encontro desse olhar que tem me feito ser cada vez menos eu. Cada vez mais nós. E você, quando sorri, me faz ter cada vez menos vontade de ser infeliz.
Tenho me perdido todos os dias tentando descobrir em algum vestígio seu as coisas que você gosta, o que você quer de mim, o que quer que eu queira de ti. Ouço o Cazuza cantar que o amor na prática é sempre ao contrário, é sempre ao contrário. E mesmo que eu tente me manter sóbria, a verdade é que essa embriaguez me encanta. Porque paixão é coisa que deve se viver assim: no silêncio. E se eu digo que te amo, é porque estou amando não te conhecer.

terça-feira, 13 de julho de 2010

É que você é tão contente e tem um brilho tão bonito nos olhos que eu tenho medo de te endurecer com as minhas angústias.

domingo, 2 de maio de 2010

4 corpos e um amor inacabado

Naquele toca-discos antigo o vinil continuava a tocar, soando as notas de um passado amorfo. Tic-tac-tic-tac, ainda ouço o relógio que te mandava sempre ir embora, logo naquelas horas que o que a gente mais queria era ficar. Sempre que você vinha trazia a chuva, que molhava sempre os pés de toda a gente que andava lá fora, que sentiam sempre o sangue da sua ferida na água que corria. Era ferida velha, ferida branca, que doía só quando você vinha. Meu sorriso também vinha contigo, com a garrafa de cerveja quente no tempo frio, pra esquentar o coração com coisa ruim, você dizia.
Tinha também aquele sábado que ficava com cara de domingo, no dia em que as almas resolviam descansar só pra deixar a gente viver em paz. Era sempre você que trazia aquele cheiro de cidade empobrecida, de gente quieta e sem ter pra onde ir. Pombas. Ratos. Restos. Restos de mim e de você, sempre ali, inclinados pra ver o que tinha lá fora na calçada. Sei que nunca fui cautelosa com as palavras, por isso, hoje te digo, por isso nunca quis que me fizesse perguntas. Com as palavras, a gente mente, e eu só queria ter a chance de não falar.
Hoje aquilo que de mim só você sabia, já não é mais, e eu queria poder te contar. Talvez um dia você descubra que a vida não é uma só, a vida é múltipla, a vida não é uma transformação de algo permanente. Você vai descobrir no corpo daquela gente sem cabeça que nem sempre tudo tem que fazer sentido, que nem sempre um braço serve pra abraçar e uma perna pra andar. Aqueles corpos esquizofrênicos, nas suas não-totalidades, um dia vão te mostrar que não é porque uma coisa existe, que ela tem que: ser. Você vai se sentir pesado quando aqueles corpos passarem a ter cabeça, porque o olhar machuca, e você vai descobrir que um corpo é bem mais bonito de se ver sem a sua parte racional, e vai ter vontade de ser só um corpo também, um corpo que fala, um corpo que sente, um corpo que é.
Você descobrirá que a verdade é sempre a falta, e vai ter vontade de sumir quando me encontrar na sua porta esperando ter de volta um corpo de mim que você levou.

sábado, 1 de maio de 2010

De quando eu tinha doze anos

Sei
Que o que te trouxe até aqui
Foi a angústia
De não ter onde ficar

E que agora
Mesmo que você não queira
Sabe que aqui
É o seu lugar

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Os dias têm tido tanto sentido que até o sentido de sentir alguma coisa já passou. Até a fome, que bate sempre à porta quando as necessidades vitais são esquecidas em troca de vazios subjetivos, já passou. Nas frases mal ditas a gente sabe que fica sempre aquela coisa que alguém não soube falar, e a ausência de tradução se faz presente. Talvez a indiferença se torne mais do que pálida, e a gente se cumprimente vez ou outra perguntando da vida. Mas a tradução sempre falta. E o que fica é só vontade.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Angst

Começo olhando pela janela o agitar do mar, suas ondas indo e vindo indo e vindo indo e vindo. Depois de um dia de desapegos, nada como uma janela pra olhar o mundo de cima. Tem sido fácil expurgar lamúrias sobre a minha sede de gente que não passa, assim boto a culpa dos desencantos nelas e mantenho o narciso que há em mim. Digo que sou assim, porque sou mesmo. O humano em si é egoísta, quero ver provarem o contrário. Tenho evitado me olhar no espelho, com medo de ver refletido na minha pupila o meu próprio horror. Cada passo que dou tem sido tentando ser novo, mas sei que não há nada de novo em tentar inovar. "O novo já é velho faz tempo", e você me conta uma mentira e eu acredito. Diz que o que comprou foi pra mim, que o você me deu é de si e que o seu olhar não é de aflição.
Toda noite sonho com quem não conheço.
Todo dia é um devir do amor.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Fingindo ser a farsa

Dizem que quando a insatisfação consigo mesmo chega no limite, é que a gente deve parar. Parar de fazer o que incomoda, de ser o que você aponta no outro como defeito. Devemos parar de transcender. Parar de respirar.
Desmascarar a vida não tem sido fácil, meu irmão. Há sempre aquele dedo que te aponta como sujo, aquele olhar que te olha como louco. E quando você está sozinho, não há quem estenda a mão. Estão sempre te pedindo, te pedindo, te pedindo. "Me dá mais um pouco de você, porque o que eu tenho de mim não é suficiente". Aí você dá. Você dá, dá, dá, e fica sem. Fica sem ti.
Roubam a tua identidade como quem tira a inocência da criança: você passa a se perceber como nulo, como insuficiente, como mau. Aí a consciência disso te faz ser a farsa. Porque é isso que eles querem de ti: que você pare de existir para si próprio.